Em O Museu da Inocência, Orhan Pamuk descreve um mundo que transforma os clássicos de Mary Shelley e Stephen King em historietas de meia-tigela - falando em termos do inverosímil.
Quando Kemal - homem de negócios turco vagamente ocidentalizado - percebe que fugir para a frente foi um erro, já é tarde. A mulher com quem viveu uma grande paixão e depois abandonou, Fusun, casou com um outro qualquer.
Corrigindo já o que acabei de dizer, acrescento: mais do que apaixonado, Kemal está obcecado. Aproveitando-se de um parentesco afastado, passa a frequentar a casa onde Fusun vive com os pais e o marido. Durante anos a fio, senta-se à mesa de jantar com a família, vê televisão, fala de banalidades, cria laços de negócio e sobrevive de lixo.
Lixo? Sim.
Kemal alimenta o hábito de levar consigo todos os objectos em que Fusun toca. E, quando digo "todos", é porque inclui beatas que, conforme o modo como foram apagadas, são um símbolo do estado de espírito da mulher no momento em que fumou aquele cigarro. Conforme Kemal escolhe interpretar, algumas são, por exemplo, a prova de que o amor que sente ainda é mútuo. Que o divórcio é, não apenas uma possibilidade, mas uma questão de tempo e que, depois disso, a felicidade estará ao seu alcance.
Ainda não li o fim da história, não sei se tamanha persistência será recompensada mas, a esta altura, estou absolutamente convencida de duas coisas:
- o Museu da Inocência, como espaço físico, é o lugar onde Kemal deposita e expõe todos os objectos surripiados: frascos de colónia vazios, cães de porcelana, utensílios de cozinha, baralhos de cartas rasgados.
- como lugar metafórico, é onde se perde o juízo, o loony bin dos apaixonados.
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